Já há algum tempo eu tenho uma certa visão que vem me entristecendo em relação ao rumo que o Parkour vem tomando. Tenho a impressão de que a há um fenômeno que acompanha o parkour desde sua criação, e que foi o responsável por fazer a atividade chegar onde está hoje, mas agora esse mesmo fenômeno o põe em risco.
Aproveitando a situação pela qual estamos passando, venho aqui desabafar o meu medo e tristeza. O texto convém com o momento, mas não pretendo nele falar somente de um ponto ou outro. Vou tentar expressar minha opinião e explicar melhor este fenômeno.
Completo 8 anos de parkour daqui a aproximadamente 15 dias. E nesse tempo já passei por muita coisa. Li muito, vi muito documentário, corri atrás de muita coisa, organizei, briguei, discuti. Já viajei, conheci, treinei, me arrombei, tive uns 3 períodos de recuperação para voltar a treinar. Quanto mais aprendo, mais ainda percebo o quanto tenho ainda que conhecer, ensinar e aprender.
Pra começar, tenho a impressão de que temos andando rápido demais com o desenvolvimento do Parkour em alguns pontos. O Parkour é uma atividade que não tem nem 30 anos de “criação” (aquele que conhece a história dele vai entender o motivo das  aspas). Com menos de 30 anos de estrada, ele já se tornou a atividade desportiva de expansão mais rápida da história até o momento. Não sou eu que cito esse dado, mas a monografia de um colega educador físico. Se formos olhar o tempo que o Parkour levou pra chegar nos moldes de hoje, pela divulgação dos próprios idealizadores, podemos dizer que essa expansão brutal aconteceu de forma ainda mais rápida e assombrosa, aproximadamente 20 anos aí.
No Brasil o Parkour tem aproximadamente 10 anos. Alguns raríssimos praticantes começaram antes disso, mas posso basicamente dizer que esse foi o início. Eu me considero e faço parte desse grupo inicial que começou sem nada e teve que se matar atrás de qualquer informação ou reconhecimento da sociedade. A partir desta, surgiu outra geração, uns 3 ou 4 anos depois, com outra mentalidade não pior nem melhor, simplesmente diferente (no geral). Me assusta pensar como 3 ou 4 anos podem criar pontos de vista tão diferentes!
Poxa, o que são 4 anos? Três ou quatro anos realmente separam uma geração de outra? Me assusta mais ainda ver que deste grupo, que começou 3 ou 4 anos depois de mim, surgiu um terceiro grupo, com menor diferença ainda de tempo (uns 2 anos eu diria), que parece ser uma mescla entre receber uma enxurrada de informações distorcidas e entre não procurar se informar sobre o que a atividade realmente é.
Não quero generalizar. Conheço muitos praticantes de todas as idades e diferentes tempos de treino, que tem a mesma mentalidade que eu. E conheço também pessoas que começaram na mesma época que eu e que nunca se preocuparam em buscar informações, saber o que é ou repassar os valores do Parkour. Eu noto que, em outras atividades, existiu também essa disseminação e popularização, mas que em muitas delas levou 30, 40 anos ou mais, enquanto no Parkour tudo isso aconteceu em 10! Eu não queria me estender muito nesse ponto, mas ele é crucial para algo que pretendo falar adiante.
Eu vejo parte dessa culpa em nós. Sim. Fomos nós, do começo, que em minha opinião, corremos demais. Criação de grupos, associações, levar o Parkour para as academias, espaços fechados e aos mega-eventos (e aqui não estou falando de encontros). Pessoalmente, sinto um pouco de tristeza. Sinto como se a “infância” do Parkour tivesse se perdido. Fizemos um Big Jump (como o Ettore disse) e pulamos parte dessa infância.
Sei que muitos pensarão diferente, mas é esse meu sentimento e desabafo.

Indo ainda mais longe, sinto que vivi uma infância do Parkour no Parkour. Ao mesmo tempo vejo que a geração após a minha parece ter perdido isso e é algo que eu sinto muito. Me deixa triste por achar que eles perderam algo e por me achar parcialmente responsável por isso.
Agora, chegamos a um ponto polêmico,  considerado um câncer,  ou “o grande mal”, o ponto da competição. Mal temos 20 anos de história no Parkour mundial e já temos uma porrada de competições baseadas no Parkour! Mas antes de tudo, vou explicar o porquê considero isso um “grande mal”.
Eu não sou radicalmente contra competições. Sou até bem compreensivo e respeitoso. Quem me conhece sabe disso. Mas sou categoricamente contra e vejo sim grandes problemas nas competições em geral: corrupção, distorção de valores, comercialização da atividade como um produto, pressão e mais pressão sobre o atleta, mais corrupção... e muitos outros fatores poderia citar. Vejo também alguns (poucos) pontos positivos.
Voltando ao parkour. Por que sou categoricamente contra competições? Essa é uma pergunta que me faço praticamente todos os dias. Ora... eu sei que um dia as competições de Parkour vão chegar (e serão comuns), mas o grande problema que vejo é a pressa com que temos conduzido até este momento. Se os valores da atividade, se a filosofia, se o processo de aprendizado já é distorcido pelo que temos atualmente, imaginem quando se envolve um negócio tão lucrativo quanto as competições. Podem dizer que na França e Europa tem várias competições, que até um Yamakasi já ajudou a organizar uma. Mas usar isso como argumento é ingenuidade e conformismo. Na França e em muitos lugares da Europa já se possui um Parkour mais consolidado, e enquanto lá muitas pessoas verão uma competição e dirão “Isso é Parkour”, aqui no Brasil, uma pessoa vai me ver na rua e vai dizer “Olha, esse é aquele esporte que eu vi na TV semana passada”. E eu não vou entrar no mérito aqui de se é ou não Parkour pelo fato de estarem competindo. Meu foco é a imagem externa.
No dia em que os eventos competitivos forem comuns, eu provavelmente gostaria que fossem no modelo do Desafio Urbano. Mas não o apoio agora. Eu gostaria que, quando as competições fossem comuns, as pessoas pudessem olhar e dizer “Olha, isso é aquela atividade que busca eficiência, de treinamento físico e mental” ou até mesmo quem sabe “Olha isso é Parkour”. Mas sabendo o que realmente é ou tendo pelo menos a possibilidade de encontrar boas fontes sobre o assunto. Sei que isso pode até ser meio utópico, mas é o que eu gostaria.
Afinal, se formos olhar pra tantas outras atividades podemos ver como elas se perderam de sua criação até hoje. Beto, nós dois treinamos Tae Kwon Do, e você sabe a quantidade de mestres horríveis que existem e só pensam em lucrar, competições mal organizadas, e escolas de Tae “Ken” Do.
Duddu, você treina Kung Fu e sabe do que eu estou falando. Pop, você fez JiuJitsu e também sabe. Edi, você que andava de patins sabe o quanto a durabilidade é deixada de lado pela fama. E sei que por esses motivos vocês apóiam minha visão.
Jean, durante nosso tempo de Parkour, quantos instrutores péssimos não surgiram? Quantas histórias de pessoas que só queriam lucrar, cobrando pra dar aulas de “algo que não era Parkour” você não soube e inclusive me contou em várias conversas? Você é meu amigo e eu sempre lhe apoiei muito, até quando você abriu a academia quando muitos outros eram contra. Mas hoje, eu não te apoio.
 Citei estes nomes por que são provavelmente as pessoas que mais me fizeram crescer no parkour, e ter uma mente crítica como a que tenho hoje. E por que senti necessidade. Espero não causar desgostos a ninguém por isso.
Muitos podem dizer que este rumo é inevitável. E talvez seja mesmo. Mas eu não vou ficar parado esperando que o Parkour, a atividade pela qual dei meu sangue (literalmente) por tantos anos, passe pelo mesmo que tantas outras. Que se torne um produto. Que se criem péssimas academias com péssimos instrutores. Não vou esperar que o Parkour vire “Parkur”. E pra você que diz amar o parkour, mas que tais coisas são inevitáveis (e que nós não podemos fazer nada) saiba que essa visão sua é apenas comodismo. Essa é a atitude mais anti-parkour possível. É uma aceitação cega. É ficar sentado por que é mais fácil.
As competições são sim inevitáveis, mas a deturpação dos valores do Parkour não. E enquanto as competições que se criarem trouxerem risco a esses valores, eu vou me posicionar contra. E se você quer ficar em casa coçando o queixo, pode ficar, afinal isso sim deve ser Parkour, né?


Mas se for pra ficar sentado em cima do muro, deixa ao menos quem tá tentando fazer algo passar por ele. 
Contato: Ibyanga@parkour.com.br